O presidente da Assembleia afirmou esta terça-feira que nunca será um censor da intervenção dos deputados, apelou a mais consenso, sobretudo entre os moderados, e manifestou-se contra a visão conflituosa estéril e a cultura do cancelamento na política. José Pedro Aguiar-Branco participou num almoço-debate organizado pelo Clube Internacional de Portugal, em Lisboa, numa primeira intervenção subordinada ao tema “O bom e o mau parlamentarismo”.
No seu discurso, o ex-ministro social-democrata defendeu o valor primordial da liberdade de expressão e destacou que O Parlamento “é o local de debate e expressão das diferenças, em que cada pessoa assume total responsabilidade pelo que pensa e pelo que diz”.“.
“O juízo político de apreciação, aprovação ou rejeição do discurso político expresso por um deputado é dado pelo povo português, através do voto em eleições livres, diretas e universais. Nunca serei um censor do uso das palavras. O julgamento será sempre o dos cidadãos que votam”, frisou.
No seu discurso, o Presidente da Assembleia da República destacou ainda que os principais avanços da democracia portuguesa foram alcançados com um amplo consenso entre as principais forças políticas, apontando como exemplos as revisões constitucionais, a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia ou estruturar leis em setores como justiça, saúde ou defesa.
Neste contexto, partilhou com os presentes no almoço-debate que um estudante de Vila Real lhe perguntou na segunda-feira como foi possível uma discussão tão animada entre PSD e PS, no âmbito do Orçamento do Estado para 2025, devido à queda em um ponto percentual no CRI.
“Esse aluno fez uma observação óbvia. E às vezes, aqui, na bolha em que nos movemos, não temos a percepção exata do que pensam os cidadãos. Ou seja, o país real, o país concreto, não entende o que isso assusta quem durante tantos anos conseguiu até acabar com o Conselho Revolucionário, provavelmente um acordo mais difícil de conseguir do que uma reforma tributária para os próximos cinco anos”, comentou. Depois deixou um aviso: “Acredito sinceramente que o país está cansado de uma visão estéril e conflituosa da política.“.
“Uma visão em que o debate adquire apenas uma conotação moral e em que deixamos de dizer que não concordamos com o adversário e passamos a assumir que ele tem más intenções, que está preso a interesses, que não é legítimo, que “Não é ético. Em última análise, não podemos falar com o nosso adversário”, acrescentou.
O antigo ministro social-democrata lamentou neste contexto que “se gaste muito tempo a caricaturar as intenções dos opositores e pouco tempo a construir pontes para acordos”.
“A teoria do cancelamento é uma aberração na democracia pela censura que impõe ao que considera politicamente incorreto, ou pela tentativa sistemática de impedir boas condições para a livre exposição de ideias diferentes”, concluiu, recebendo aplausos.
José Pedro Aguiar-Branco sustentou, pelo contrário, que a fragmentação das representações parlamentares deve ser enfrentada “com naturalidade democrática”, fenómeno que “muitos temiam que bloqueasse o funcionamento da Assembleia da República”. “Mas ao que o sistema constitucional tem conseguido responder. Temos que conviver bem com a diferença quando ela é fruto da legitimidade democrática”, acrescentou.