A Zona Franca dos Anjos junta-se à crescente lista de espaços culturais e associativos de Lisboa em risco de encerramento, ou que já encerraram, devido à pressão imobiliária que afeta a cidade.
A funcionar há 12 anos no rés-do-chão de um prédio na Rua de Moçambique, nos Anjos, a Zona Franca dos Anjos terá de desocupar o espaço antes de 31 de dezembro, uma vez que o proprietário decidiu não renovar o contrato de arrendamento, disse o presidente ao. Agência Lusa. daquela associação cultural sem fins lucrativos, Patrícia Azevedo.
Ao receberem a comunicação de não renovação do contrato do novo proprietário (filha do proprietário anterior, falecido no ano passado), os responsáveis pela associação tentaram perceber se haveria espaço para negociação. Dispuseram-se a pagar uma renda de mil euros, em vez dos atuais 763 euros, por um espaço que está “muito deteriorado”, e comprometeram-se a realizar as obras necessárias. Mas a senhoria “não estava interessada”.
Segundo Patrícia Azevedo, num dos contactos a mulher disse-lhes: “Para a minha mãe não era um negócio”. Enquanto isso, os vizinhos do primeiro andar “também receberam ordens de despejo”. Depois do choque inicial e de algum tempo “assimilando a ideia”, os responsáveis pela Zona Franca dos Anjos convocaram uma assembleia geral para decidir o que fazer. “Vamos resistir. Não faz sentido sairmos sem lutar, baixarmos os braços. Sem ter um espaço alternativo não vamos sair”, afirmou Patrícia Azevedo.
A Zona Franca dos Anjos acolhe concertos, exibição de filmes e workshops, sendo a maioria destes eventos “gratuitos ou com donativos gratuitos”. “Estamos desempenhando um papel social muito importante: disponibilizamos palco para artistas que não têm espaço em outras salas”, destacou Patrícia Azevedo. O trabalho de Patrícia na Zona Franca dos Anjos, tal como o das dezenas de pessoas que dirigem a associação, não é remunerado. “Somos todos voluntários”, disse ele. O aluguel e a manutenção do espaço são pagos com o valor das refeições servidas no refeitório, “um dos pilares” da Zona Franca.
A cozinha onde são preparadas as refeições é doada às quartas-feiras a uma cozinha solidária para sem-abrigo e, quando necessário, à Cozinha Migrante dos Anjos, que normalmente funciona na Disgraça. Patrícia Azevedo apela a uma visita à associação para perceber o que ali acontece. “Venha conhecer o espaço”, desafiou.
O eventual encerramento da Zona Franca dos Anjos é mais um dos que ocorreram nos últimos anos em Lisboa, ou estão prestes a acontecer. Com o aumento dos preços de arrendamento e compra de imóveis, os residentes e as associações foram forçados a deslocar áreas da cidade ou a fechá-las definitivamente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Grupo Excursionista e Recreativo Os Amigos do Minho, na Rua do Benformoso, e o Sport Club do Intendente, no Largo do Intendente, há cerca de seis anos, e o Crew Hassan, na zona dos Anjos . , em 2023. E é isso que poderá acontecer com Arroz Estúdios, Casa Independente, Sirigaita, Sociedade Musical Ordem e Progresso (SMOP) e Academia de Amadores de Música.
‘Arroz’ é uma associação sem fins lucrativos que está ‘escondida’ atrás de um muro na Avenida Infante Dom Henrique desde 2019 e tem “uma programação quase diária”, que inclui sessões de cinema ao ar livre, espetáculos, live jams, musicais eletrónicos eventos, mercados e exposições. Além disso, ali estão localizados os ateliês dos artistas. O processo de venda do terreno onde se situa ‘Arroz’ “ainda está em curso”. “Para já não temos uma data oficial de saída, mas pode acontecer a qualquer momento”, disse à Lusa a gestora dos estúdios e residências artísticas da Arroz Estúdios, Cátia Ciriaco. Os responsáveis deste espaço estão «em contacto com diversas Câmaras Municipais para encontrar uma solução para a associação, mas sem sucesso».
A Casa Independente também está a tentar encontrar um espaço alternativo, que funciona há 12 anos num edifício no Largo do Intendente e que deve sair em março de 2026. “Estamos a tentar que a Câmara Municipal de Lisboa nos ajude a encontrar um local para alugar, porque o mercado é absolutamente impossível”, disse à Lusa uma das sócias daquele espaço cultural, Patrícia Craveiro Lopes. Até o término do contrato, a Casa Independente permanece aberta. “Temos esperança que a Câmara nos possa ajudar a encontrar um espaço. Estamos esperançosos, mas continuamos a procurar”, disse o responsável, lamentando que Lisboa esteja a “perder pontos de encontro”.
A dois passos da Casa da Independente, na Rua dos Anjos, há outro espaço em risco de encerramento: a Sirigaita, associação que acolhe grupos e projetos coletivos. Aquela associação, onde todos são voluntários, recebeu uma carta do proprietário do prédio para desocupar, antes de Fevereiro deste ano, o rés-do-chão que ocupa desde finais de 2018.
“Em fevereiro não entregamos as chaves e continuamos a pagar a renda”, disse à Lusa Marco Allegra, sócio do Sirigaita, lembrando que têm tentado encontrar um espaço alternativo, “seja no mercado ou conversando com Câmara Municipal de Lisboa e com juntas de freguesia”, mas “sem sucesso”. “O mercado é impossível. Fizemos algumas tentativas falhadas: os preços estão cada vez mais altos e sinceramente não nos agrada a ideia de que o dinheiro que angariamos junto dos nossos parceiros vai para alimentar a especulação imobiliária que hoje vemos em Lisboa, “, afirmou Marco Allegra. Eles sentem que o trabalho que realizam é “altamente valorizado” pelo governo local. “Mas ninguém quer deixar espaços disponíveis para nós e, de forma mais geral, para muitas comunidades em risco”.
Noutra zona da cidade, perto da Rua das Janelas Verdes, o plano da SMOP é também resistir. “Esse espaço foi comprado há cerca de um ano por um grupo. Eles querem despejar todo mundo para fazer um Hostel“, disse à Lusa, em outubro do ano passado, o presidente da SMOP, fundada em 1898 e que ocupa o primeiro andar de um edifício na Rua do Conde desde 1892-93, ainda antes da formalização do coletivo.
Naquela zona da cidade “havia vários municípios, mas hoje são apenas dois ou três, quase todos encerrados devido a esta política de arrendamento”, lamentou Carlos Melo. O SMOP é um grupo sem fins lucrativos que “trabalha para a comunidade, não só no desporto, mas também na cultura”. Contactados esta semana pela Lusa, os responsáveis da SMOP informaram que “há uma ação em curso nos tribunais”.
No Chiado, a Academia dos Amantes da Música terá de abandonar, em agosto de 2025, o espaço onde funciona desde 1957, porque a renda passará de 542 para 3.728 euros. O presidente do conselho de administração da Academia, Pedro Barata, criticou a “ineficiência” das entidades públicas na procura de um local alternativo, em declarações à Lusa em novembro do ano passado. Um ano depois, aquela academia, que tem cerca de 300 alunos, a maioria no ensino articulado, ainda não tem solução à vista.
Nas páginas de Informação e Serviços da Câmara Municipal de Lisboa, na área do Diretório Municipal, pode ler sobre a Academia de Música Amadora: “Insere-se na rede de escolas de ensino privado e cooperativo, e oferece formação artística ao mais alto nível , preparando os jovens para continuarem os seus estudos musicais a nível universitário.”